quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Espiritualidade do Oblato


A palavra oblato vem do latim oblatus, "oferecido".
Na Regra de Benedito de Núrsia, tal vocábulo designa os meninos oferecidos por seus genitores para o serviço de Deus no mosteiro (cf. cap. 59; São Gregório Magno, Diálogos, I, II).
Aos poucos o termo "oblato" passou a designar fiéis que, desejosos de viver mais plenamente a vida cristã, se filiam a determinado mosteiro.
Os que passam a morar no próprio cenóbio são chamados "oblatos regulares", ao passo que aqueles que continuam no século são ditos "oblatos seculares".
Oblatos são pessoas que vivem suas vidas seculares, mas estão associados e aliançados a um mosteiro, mesmo não sendo monges.

Espiritualidade beneditina do Oblato
A tradição monástica formulou em palavras ou frases incisivas algumas das grandes características do espírito beneditino, que todo oblato há de procurar observar.

V.1. Ora e Trabalha

1. É o lema "Ora et labora" que dá estrutura a toda a vida do discípulo de Bento.

2. A oração significa a atitude definitiva do cristão, principalmente sob a forma de adoração, louvor e gratidão ao Senhor. É ela que alimenta e aprofunda a união de da criatura com o Criador, e leva o cristão a participar, cada vez mais, da vida trinitária. É por isto que a oração ocupa o primeiro lugar na estima do oblato.

3. O trabalho é forma de disciplina e ascese, como também de transformação do mundo segundo o plano e os desígnios do Criador. O oblato se santifica não apesar do trabalho, mas mediante o trabalho. Este há de ser assumido não apenas como meio de subsistência, mas no intuito de servir a Deus e ao próximo. Quem ora devidamente, se habilita a trabalhar em espírito de louvor e adoração a Deus, como o fez o Divino Mestre quando se dignou trabalhar com mãos humanas, pensar com inteligência humana, agir com vontade humana, amar com coração humano (cf. Constituição "Gaudium et Spes" nº 22).


V.2. Em todas as coisas seja Deus Glorificado

1. Referindo-se ao trabalho dos artífices do mosteiro, Bento recomenda aos monges que procurem vender os respectivos artefatos por preço módico "para que em todas as coisas seja Deus glorificado" (Santa Regra, cap. 57). Esta fórmula é inspirada pelo texto bíblico de 1Pd 4, 11. Em seu teor latino, veio a ser uma das expressões típicas do espírito monástico: "Ut in omnibus glorificetur Deus" (abreviadamente: U.I.O.G.D.)

2. A espiritualidade monástica é essencialmente teocêntrica. O oblato, mesmo vivendo no século, saberá traduzir este teocentrismo em atitudes e gestos concretos de sua vida.

 V.3. Nada preferir ao Amor de Cristo

1. Esta norma, colocada no cap. 5 da Regra, entre os instrumentos das boas obras, exprime fielmente o pensamento paulino de que está impregnada a espiritualidade beneditina.

2. Em Cristo quis o Pai, desde a eternidade, amar e abençoar cada ser humano (cf. Ef. 1,3-5). Nele, por Ele e para Ele tudo foi criado (cf. Cl 1, 16): tudo Nele subsiste (cf. Cl 1. 17). "Nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude" (Cl 1, 19). É por Ele que ousamos chegar-nos a Deus Pai confiantemente (cf. Ef 3, 12).

3. Por conseguinte, compete ao oblato procurar conhecer sempre mais profundamente o Cristo Jesus, não só por via intelectual, mas também mediante uma configuração crescente ao Senhor Jesus. Associe seus sofrimentos e suas alegrias aos do Cristo Jesus, (cf. Cl 1, 24), certo de que, padecendo com Cristo, reinará também com Cristo (cf. 2Tm 2, 11; Santa Regra, Prólogo).

"Por Cristo homem a Cristo Deus. E por Cristo Deus a Deus Pai" (Santo Agostinho)

 V.4. Como Sagrados Vasos do Altar

No cap. 31, relativo ao celeireiro, Bento recomenda que se considerem "todos os objetos do mosteiro e demais utensílios como sagrados vasos do altar". Tal visão de fé há de caracterizar também o oblato. Nada é profano ou religiosamente neutro aos olhos do cristão. Ao contrário, a reverência incutida pela certeza da presença de Deus na oração acompanhar-lo-á na execução de suas tarefas, pois elas, a seu modo, contribuem para pô-lo em contato com o Senhor Deus e os valores eternos. E, de modo especial, Bento convida seus discípulos a ver nos irmãos a presença de Cristo: assim, entre outros, no Abade (cap. 2), nos enfermos (cap. 16), nos hóspedes e nos pobres (cap. 53).
  
V.5. Nada em Demasia.

1, Esta máxima de Cícero encontra-se no cap. 64 da Santa Regra, concernente ao Abade. Este, ao corrigir os irmãos, há de proceder prudentemente e não em demasia, para que, desejando raspar demasiado a ferrugem, não quebre o próprio vaso.

2. Tal fórmula tornou-se a expressão da famosa discrição beneditina, já muito exaltada por Gregório Magno )cf. Diálogos, cap. 36, I, II). Esta discrição não significa mediocridade ou prudência acovardada e medrosa. Muito ao contrário: é a virtude que proporciona os meios ao fim respectivo e que, por isto, cria ordem e harmonia na vida beneditina. Essa proporcionalidade ou harmonia pode exigir renúncia e sacrifício; ela não somente é compatível com a ascese, mas pode fomentar a ascese. É da discrição que decorre o senso estético que deve caracterizar a Liturgia e as expressões de um mosteiro beneditino. Os filhos discípulos hão de viver em harmonia e proporção - o que nada tem de afetado, mas implica pureza interior e dignidade de porte visível (no vestir-se, no falar, no recrear-se, no conversar...).

V. 6. Ser Primeiramente

1. No cap. 4 da Santa Regra. o Legislador exorta os monges a que "não queiram ser tidos como santos antes que o sejam, mas primeiramente sejam santos para que possam ser considerados como tais".

2. Esta norma traduz a aversão à aparência destituída de conteúdo, aos rótulos ilusórios ou contraditórios. Revela absoluta preferência pelo ser em relação ao ter. Em conseqüência, incute ao discípulo a preocupação com a coerência de pensamento e vida. Sugere a honestidade incondicional de atitudes, de palavras e de ambiente. Evite o oblato linguagem falsa, ambígua e vã.

3. O amor à autenticidade se exprime mais de uma vez na Regra de Bento: assim, no tocante ao oratório ("seja aquilo que o nome significa"; cap. 52). ao Abade ("faz as vezes de Cristo, porque é chamado pelo mesmo cognome que Este"; cap. 2), ao monge feito soldado do verdadeiro Rei (Prólogo) ou penetrado pela humildade (12º grau; cap. 17...)

 V. 7. Nada Antepor ao Ofício Divino

1. Quer Bento que o Ofício Divino seja a tarefa primordial do monge, tarefa que inspire e impregne todas as demais atividades.

2. O oblato vê nesta norma também um traço da sua espiritualidade. Embora não esteja obrigado a celebrar o Ofício Divino, deve fazer da oração (seja particular, seja comunitária) o centro de sua vida. Isto não requer que se dedique à oração o tempo que deveria consagrar a outros deveres, mas exige que a oração seja tarefa efetuada com o maior empenho e solicitude, diariamente, nas horas próprias. Assim procedendo, o oblato estará dando a Deus o lugar primordial que a Ele compete, e se abrirá às graças que levas à perfeição ou santidade.

 V. 8. Antecipem-se Uns aos Outros em Honra

1. Estas palavras, tiradas do cap. 72 da Santa Regra, sintetizam toda a doutrina da caridade fraterna, que é o coração do Novo Testamento e a característica principal dos discípulos de Jesus Cristo. Todo este capítulo, feito de máximas de grande densidade espiritual, deve ser freqüentemente meditado pelo oblato e transformado em norma de vida cotidiana.

2. Membro da mesma família monástica, concebam uns para com os outros genuíno espírito de fraternidade, que se traduzirá na assistência solícita aos enfermos, aos atribulados e a quantos sofrem as vicissitudes da vida. Este mesmo zelo existirá no Abade e no discipulador, que procurarão acompanhar cada um dos oblatos nos altos e baixos de sua caminhada, dando a sentir a cada um a presença da comunidade e dos valores da fé, principalmente nas horas difíceis. Tal tipo de assistência dos monges e dos oblatos avivará nos irmãos carentes a consciência de que somos membros uns dos outros e formamos um só corpo em Jesus Cristo (Rm. 12,5) e ainda de que "ninguém vive e ninguém morre para si mesmo, porque, se vivemos, é para o Senhor que vivemos, e, se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor" (Rm 14,7s).

3. A participação da comunidade fraterna na dor e, especialmente, nos momentos finais da peregrinação terrestre de um oblato será, para este, o sinal vivo da sua pertença a Cristo e da sua comunhão com a Igreja peregrina em marcha para a Jerusalém celeste, à qual desde o Batismo cada um foi chamado. "Quanto me alegrei quando me disseram: Iremos para a casa do Senhor!" (Sl. 121, 1)

 V. 9. Paz

1. A tradição associou a palavra PAZ ao ideal beneditino. Na verdade, a paz constitui o ambiente do mosteiro e, mais ainda, o estado íntimo dos seus moradores: os monges hão de cultivar a paz, ou seja, "a tranqüilidade na ordem" (Santo Agostinho) nas suas relações com Deus, com os irmãos, filhos do mesmo Pai, e com as demais criaturas.

2. Repetidamente a Santa Regra refere-se à paz como sendo uma das características do cenóbio e do monge: "Todos os membros estarão em paz" (Santa Regra, cap. 34; cf. cap. 53, Prólogo...)

3. O oblato adotará mais este traço da espiritualidade monástica, que o Evangelho enfatiza na sétima bem-aventurança: os filhos de Deus são artífices da paz (cf. Mt. 5, 9). A paz e a discrição monásticas supõem harmonia, equilíbrio e proporcionalidade na escala de valores do oblato. Esteja ele tão impregnado dos bens eternos que a sua mera presença já se torne sinal de ordem e tranqüilidade.

 V. 10. Na Prontidão do Temor de Deus

Como tantas outras, esta palavra do cap. 5 da Santa Regra lembra ao monge e ao oblato que sua vida deve ser guiada pelos dons do Espírito Santo. E o dom básico do temor de Deus é três vezes lembrado pela Sagrada Escritura como sendo "o começo da Sabedoria" (Sl. 110, 10: Pr. 1, 7; 9, 10). Bento o apresenta como o móvel da prontidão monástica aos apelos de Deus, que lhe são dirigidos pela voz do Superior, pelo sino conventual ou pelas necessidades dos irmãos. É o segredo daquela solicitude que Nosso Pai deseja encontrar em seus filhos pelo Ofício Divino, pela obediência e pelos opróbrios (cf. Santa Regra, cap. 58). Por isso, a pontualidade deve ser uma característica da vida do oblato, sinal dessa prontidão no serviço de Deus e dos homens.

 V. 11. Seja Tudo Comum a Todos

1. Nos capítulos 33 e 34 da Santa Regra, Bento estabelece a sua doutrina sobre a pobreza monástica: insiste na radicalidade do desprendimento dos bens materiais, cuja posse ele considera "vício que deve ser cortado do mosteiro pela raiz" (cap. 33). Encontra-se o espírito desta doutrina claramente revelado por Jesus em vários episódios evangélicos, principalmente no diálogo com o jovem rico e nos comentários seguintes feitos com os apóstolos (cf. Mt. 19, 16-30).

2. O oblato que vive no mundo e que não é chamado ao radical despojamento monástico, deve, no entanto, aprofundar cada vez mais a "bem-aventurança dos pobres de coração", proposta por Jesus no Sermão da Montanha (cf. Mt. 5,3). Ao contrário do espírito do mundo que valoriza o ter, deve ele valorizar cada vez mais o ser e o seu compromisso de partilha e comunhão com os irmãos. Sendo possuidor de bens materiais, sinta-se mais administrador do que dono.  

3. Bento chama de "presunção" o pensar que alguma coisa nos pertence (cap. 33) e nos lembra que a paz da comunidade depende de uma partilha de bens, conforme as necessidades de cada um.

 V. 12. Perseverando no Mosteiro

No final do Prólogo, Bento apresenta a perseverança e a paciência como a expressão da participação do monge nos sofrimentos de Cristo, penhor da comunhão com o Senhor na glória. Este é o sentido do voto de estabilidade que ele vai exigir de seus monges, em contraposição com os giróvagos, que se caracterizam pela instabilidade. O contato com o mosteiro será, para o oblato, sinal da seriedade do propósito de buscar a Deus e de ser perseverante no esforço de conversão. A oblação, após prolongado período de reflexão sobre os preceitos da Regra, deve ser uma entrega total da vida a Deus, em comunhão com os irmãos que buscam o mesmo ideal, e que usam as fortíssimas armas da obediência (Prólogo). Tenha o oblato presentes diante de seu coração as palavras de Cristo: "Quem põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus" (Cl. 9, 62). Não confie nas próprias forças, mas, como afirmou no dia da oblação, entregue-se humilde e corajosamente ao poder da graça divina, que trabalhará sem cessar no seu espírito aberto à ação do Espírito Santo.

 V. 13. Glorificam o Senhor, que trabalha em seu Coração

1. Esta referência, quase literal, ao cântico de Maria na sua visitação a Isabel, é uma das mais belas sentenças da Santa Regra e pode ser apresentada como síntese da vida do monge e do oblato. Com efeito, estes são chamados a glorificar a Deus, cantando os seus louvores, e deixando-o agir no íntimo da criatura pela graça do Espírito Santo.

CONCLUSÃO

Todo o esforço do oblato é para glorificar a Jesus confiando unicamente na graça de Deus. Somos salvos pela graça. Isso é dom de Deus. Que em tudo seja Deus glorificado.

Baseado no Estatuto dos Oblatos Beneditinos e na Regra de Benedito de Núrsia